São Tomás Becket, bispo e mártir
"Becket ou a honra de Deus"
A autoridade do Papa teve muitas ocasiões para se exercer no Ocidente.
E a épica luta que opõe Henrique II Plantageneta a Tomás
Becket serve para manifestar com força essa autoridade.
Foi um célebre duelo, ilustrativo da
oposição entre uma sociedade ainda fortemente marcada pelo feudalismo e uma
Igreja que, salvando sua autonomia, pretendia proteger a liberdade do homem.
Cumulado de todos os dons, Tomás
Becket fora, aos trinta e sete anos, chanceler de seu amigo Henrique
da Inglaterra.
Em 1162, esperando controlar mais eficazmente a ação da Igreja inglesa, o rei provoca a ascensão de Tomás à sede de Canterbury.
Mas sua expectativa não se confirmou, pois,
abandonando o seu aliado real, Tomás dá aos seus clérigos e ao seu povo o
exemplo de uma vida verdadeiramente evangélica.
Não se pode servir a dois senhores
Renuncia inclusive à chancelaria,
considerando que um bispo não podia ser, ao mesmo tempo, ministro e pastor;
esse abandono enfureceu o rei.
Ainda mais que, na reunião de Clarendon (1164),
tendo Henrique II pretendido subordinar a justiça real e ligar o episcopado
britânico à realeza anjevina, Tomás protesta com eloquência; ameaçado de
prisão, ele foge para a França, onde Alexandre III assume a
causa do primaz da Inglaterra e condenou as decisões de Clarendon.
Inquieto com as ameaças do Papa, Henrique
II acabou por se reconciliar com Tomás, que retorna à Inglaterra, mas comete o
erro de ditar bulas de suspensão contra seus opositores.
O rei, que estava na Normandia, deixa-se
convencer por vários prelados suspensos e deixa escapar certas palavras de
cólera, talvez estas: "Não haverá ninguém para me livrar desse clérigo
ultracioso?".
Assassinado e logo canonizado
Encontram-se então cavaleiros para abater
com seus gládios, na catedral, o arcebispo de Canterbury (29 de dezembro de
1170), que logo a opinião pública passa a considerar como um mártir.
Em 25 de janeiro de 1171, Alexandre III
lançava o interdito sobre a Inglaterra; em 1172, canonizou Tomás Becket;
e, embora protestando inocência, Henrique II teve que se
submeter a uma duríssima penitência pública.
A época já não permitia mais que se
levantasse impunemente a mão contra a pessoa de um clérigo. Todo o Ocidente
acabara por aceitar a cristandade. (1)
A Igreja Católica celebra a sua memória litúrgica no dia 29 de dezembro.
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Não recebe a coroa senão quem combate segundo as regras
“Se nos
preocupamos por ser o que devemos ser e queremos conhecer o significado do
nosso nome – bispos e pontífices – temos necessidade de considerar e imitar com
solicitude as pegadas d’Aquele que, constituído por Deus sumo sacerdote eterno,
Se ofereceu por nós ao Pai no altar da cruz, e que do alto do Céu observa
atentamente todas as nossas obras e intenções, para dar a cada um o que
merecemos.
Nós fazemos as suas vezes na terra,
conseguimos a glória do nome e a honra da dignidade e possuímos temporalmente o
fruto dos trabalhos espirituais; sucedemos aos Apóstolos e aos varões
apostólicos na mais alta responsabilidade das Igrejas, para que por meio do
nosso ministério seja destruído o poder do pecado e da morte e para que a casa
de Cristo, edificada na fé e no progresso das virtudes, cresça até formar um
templo santo no Senhor.
É certamente grande o número dos
bispos. No dia da nossa consagração prometemos ser solícitos e diligentes no
dever de ensinar e governar, assim o professamos cada dia com as nossas palavras;
queira Deus que a fidelidade prometida se confirme pelo testemunho das obras. A
messe é abundante; e para a ceifar e armazenar no celeiro do Senhor não
bastaria nem um nem poucos bispos.
Quem se atreve a duvidar que a
Igreja de Roma é a cabeça de todas as Igrejas e a fonte da doutrina católica?
Quem ignora que as chaves do reino dos Céus foram entregues a Pedro? Porventura
não é verdade que a estrutura de toda a Igreja se edifica sobre a fé e a
doutrina de Pedro, até que cheguemos todos ao estado de homem perfeito, na
unidade da fé e no conhecimento do Filho de Deus?
É preciso que sejam muitos os que
plantam, muitos os que regam, porque o progresso da pregação e o crescimento
dos povos o exigem. Se o povo do Antigo Testamento, que tinha um só altar,
precisava de muitos servidores, com maior razão agora, com a afluência
inumerável dos gentios, – a quem, para suas oferendas não bastaria toda a
madeira do Líbano, e para seus holocaustos não chegariam todos os animais do
Líbano e nem sequer os animais de toda a Judeia, – serão necessários muitos
ministros.
Seja quem for o que planta e o que
rega, Deus não dá o crescimento senão àquele que planta e rega sobre a fé de
Pedro e segue a sua doutrina.
É Pedro quem há-de pronunciar-se
sobre as causas mais graves, que devem ser examinadas pelo Pontífice Romano e
pelos magistrados da santa mãe Igreja por ele designados, pois enquanto
participam da sua solicitude exercem o poder que ele lhes confia.
Recordai, finalmente, como se
salvaram os nossos pais, de que modo e em meio de quantas tribulações foi
crescendo a Igreja; de quantas tempestades saiu incólume a barca de Pedro que
tem Cristo como timoneiro; como os nossos antepassados receberam a sua
recompensa e como a sua fé se mostrou mais brilhante no meio da tribulação.
Este foi o destino de todos os
Santos, para que se cumpra aquela palavra: não recebe a coroa senão quem
combate segundo as regras.”
Das cartas de São Tomás Becket, bispo (Epist. 74: PL
190, 533-536) (séc. XII) (2)
Fontes: (1) “História da Igreja”, Pierre
Pierrard (texto editado) | (2) | Imagem