São João Crisóstomo, o «boca de outro»
São João Crisóstomo nasceu em Antioquia, por
volta do ano 349.
Depois de ter recebido uma excelente educação, dedicou‑se à vida
ascética.
Ordenado presbítero, consagrou‑se com grande fruto ao ministério da
pregação.
Eleito bispo de Constantinopla no ano 397, manteve-se no cargo durante
seis anos, e revelou grande zelo e competência nesse cargo pastoral, atendendo
em particular à reforma dos costumes, tanto do clero como dos fiéis.
A oposição da corte imperial e de outros inimigos pessoais, nomeadamente
da imperatriz
Eudoxia, levou-o, por duas vezes, ao exílio.
Perseguido por tantas tribulações, morreu em Comana, no Ponto – hoje,
Gumenek, na Turquia –, no dia 14 de setembro do ano 407.
Ele tem sido considerado pela Igreja grega como o seu melhor orador e
um exegeta eminente, que comentou numerosos livros da Bíblia.
A sua notável diligência e competência na arte de falar e escrever, para
expor a doutrina católica e formar os fiéis na vida cristã, mereceu‑lhe o
apelativo de «Crisóstomo» («boca de ouro»). (1)
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Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro
“Muitas vagas e fortes tempestades nos ameaçam, mas não tememos ser
submergidos, porque nos apoiamos na rocha firme.
Por mais que se enfureça o mar, nunca poderá quebrar esta rocha; por
mais que se levantem as ondas, nunca poderão afundar a nau de Jesus.
Que havemos de temer? A morte? Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro.
O exílio? Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe.
A confiscação dos meus bens? Nada trouxemos para este mundo e também
nada daqui podemos levar.
Para mim, os perigos deste mundo só merecem desprezo, e os seus bens não
passam do ridículo.
Não temo a pobreza nem ambiciono riquezas; não receio a morte nem desejo
viver, senão para vosso proveito.
Por isso, ao recordar vos a situação presente, exorto a vossa caridade
para que tenha confiança.
Não ouvis a palavra do Senhor: Onde dois ou três se reúnem em meu nome,
Eu estou no meio deles?
E não estará presente o Senhor no meio de um povo tão numeroso, unido
pelos vínculos da caridade?
Estarei eu porventura confiado nas minhas próprias forças?
Não. Eu tenho a promessa do Senhor, tenho comigo a sua palavra escrita:
este é o meu bordão, esta é a minha segurança, este o meu porto tranquilo.
Ainda que todo o mundo se perturbe, eu tenho a sua resposta por escrito,
leio a sua Escritura: esta é a minha muralha, esta é a minha fortaleza.
Que diz a Escritura? Eu estou convosco todos os dias até ao fim do
mundo.
Cristo está comigo; a quem hei de temer?
Ainda que se lancem contra mim as ondas do mar ou o furor dos príncipes,
tudo isto para mim é mais desprezível do que uma teia de aranha.
E se a vossa caridade me não retivesse aqui, não recusaria partir hoje
mesmo para onde quer que fosse.
Porque sempre estou dizendo: Senhor, seja feita a vossa vontade; não o
que quer este ou aquele, mas o que Vós quereis que eu faça.
Esta é a torre que me abriga, esta é a pedra firme que me sustenta, este
é o bordão que não me deixa vacilar.
Seja o que Deus quiser.
Se Ele quer que eu permaneça aqui, fico Lhe agradecido. Se me chama para
qualquer outro lado, sempre Lhe darei graças.
Onde eu estiver, ali estareis vós também; e onde estiverdes vós, ali
estarei também eu.
Somos um só corpo; e nem o corpo se separa da cabeça, nem a cabeça do
corpo.
Ainda que estejamos em lugares distantes, ficamos sempre unidos pela
caridade e nem a própria morte poderá separar-nos.
Porque o corpo morre, mas a alma sobrevive; e a minha alma sempre se
recordará do meu povo.
Esta é a minha pátria e a minha família; vós sois os meus pais, meus
irmãos e meus filhos; sois membros do mesmo corpo; sois a minha luz, uma luz
mais amável que a luz do dia.
Que brilho pode haver para mim mais agradável que a vossa caridade?
O brilho da luz do dia é me útil
na vida presente; mas a vossa caridade prepara me uma coroa para a vida futura.”
Das Homilias de São João
Crisóstomo, bispo (Antes de partir para o exílio, nn. 1-3: PG 52, 427-430)
(Sec. IV)
(1) Fonte (texto editado e adaptado)