Comunhão nas mãos
«Em mãos
mortais se coloca o pão imortal, e no mesmo instante essas mãos tornam-se também
imortais. Todo o homem se torna espiritual, no espírito, na alma e no corpo e participa
de Cristo quando come este pão» (Elische (Eliseu?], Bispo Arménio do séc. V;
Antologia Litúrgica e Patrística, 4504b).
«Aquele que
deseja comungar durante a sinaxis ao Corpo Imaculado de Cristo e tornar-se um
com Ele deve colocar as nãos uma sobre a outra em forma de cruz e, assim,
aproximar-se para receber a comunhão da graça. Uma vez que alguns, em vez de
usarem as mãos para receber o dom de Deus, têm vasos feitos de ouro e outra
matéria, e recebem a comunhão imaculada nesses vasos, de modo algum aprovamos
isso, pois preferem a matéria inanimada e escravizada à imagem de Deus»
(Concílio Quinisexto [in Trullo], ano 692, cân. 101).
Partimos destes
dois belos textos da tradição das Igrejas do Oriente que pressupõem a prática
generalizada da Comunhão recebida nas próprias mãos. Mas, mais do que
documentar uma prática, os textos citados são testemunho de uma convicção cujas
raízes já se encontram na atitude anti maniqueísta de Santo Ireneu: o nosso
corpo é idôneo para receber e ser recebido no Corpo de Cristo e assim se santifica.
Jesus Cristo assumiu realidades desta criação - pão e vinho - para nos dar o
seu Corpo e Sangue, com os quais o nosso próprio corpo é santificado (cf. S.to
Ireneu, Adv. Haer. V, 2-3: Antologia 516).
Muitos fiéis
pensam que as suas mãos não são dignas de acolher o Santíssimo Sacramento e nem
refletem que elas pertencem ao mesmo corpo a que pertence a língua e a boca. Os
Padres do Concílio Quinisexto (cujos cânones são reconhecidos pelas Igrejas
Católicas do Oriente), pelo contrário, consideravam-nas mais adequadas para
«receber o dom de Deus» do que vasos feitos de ouro, matéria inanimada. Porque
membros da imagem de Deus que somos nós.
Se comungas nas
mãos - não é obrigatório -, fá-lo com respeito e beleza, como quem tem fé e
adora. Tem o cuidado de as ter lavadas, mas, sobretudo, de ter o coração
purificado. As mãos, que vão ser o trono do grande Rei, devem estar
desocupadas, livres de quaisquer objetos, mesmo que sejam de devoção. Aproxima-te
sem precipitação, em procissão jubilosa, unindo a tua voz ao canto comum que
traduz e reforça a comunhão dos corações. Já adoramos a presença do Senhor
ajoelhando à Consagração. Agora adoramos cantando e caminhando com aprumo,
ordem, respeito e alegria. Não te distraias a saudar alguém conhecido pelo
caminho. Os outros também têm lugar na tua vida, mas agora o teu coração é todo
e só para Ele.
Quando quem te
precede estiver a comungar, faz um gesto expressivo da tua adoração: uma vénia,
uma genuflexão - se tal for possível sem desequilíbrios e sem ferir quem
caminha atrás de ti - e agora chegou a tua vez. Cruza as tuas mãos, com a palma
acolhedora para cima: a mão que vai levar à boca o Corpo Sagrado (hoje já não
se discriminam os canhotos) servirá de apoio, de trono, à outra mão. O ministro
elevará diante de ti a Hóstia imaculada e dirá: «O Corpo de Cristo!» Faz a tua
profissão de fé: «Amen!» É mesmo o Corpo de Jesus Cristo, que Maria deu à luz
no presépio, que por nós morreu na Cruz e ressuscitou ao terceiro dia. É realmente
Ele que agora te é oferecido como Pão da Vida. «Amen!» E tu vais incorporar-te
n'Ele, vais tornar-te, também, Corpo de Cristo. «Amen».
Depois de ter
recebido na concha da tua mão o tesouro mais precioso que pode haver, dá um
ligeiro passo para o lado, de modo a facilitar a aproximação do comungante que
te segue. E, sem voltar as costas, com os dedos polegar e indicador da mão
livre, que servia de apoio à que recebeu a Hóstia, leva à boca o Pão vivo que
dá a vida. Não comungues sorvendo a hóstia ou lambendo-a da mão. Isso é indecoroso.
E também é propício ao sacrilégio porque alguns aproveitam-se para fazer
deslizar a Sagrada Espécie para a manga levando-a depois para usos sacrílegos.
O ministro deve poder ver claramente que levas o Corpo do Senhor à boca. segurando-o
com o polegar e o indicador. Examina cuidadosamente se, porventura, ficou na mão
ou no dedo algum fragmento da Sagrada espécie: se for o caso, leva-o à boca com
reverência. Nunca sacudas as mãos como se esses fragmentos fossem migalhinhas
sem valor porque valem mais de que pepitas de ouro. Recorda a doutrina que
aprendeste: em qualquer espécie ou parte dela está Cristo inteiro e íntegro:
Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Depois
retira-te, louvando o Senhor que te visitou deste modo maravilhoso. Não penses
que a Comunhão já acabou! Ela continua até que todos os que o desejam recebam o
Corpo do Senhor e se tornem Corpo do Senhor. Por isso, quando regressares ao
teu lugar, continua de pé. Não te ajoelhes para fazer uma oração privada e
individual: não é esse o momento. A Comunhão é comum união, é publica e
comunitária. Consequentemente, se a saúde to permitir, estarás de pé até que o
último comungante receba o mesmo Dom que te sacia. Reza em comunidade, cantando
com o coração - sempre! - e com a voz - se fores capaz. Senta-te quando todos
se sentarem, se se sentarem. Ou permanece de pé. A atitude de joelhos, mais própria da oração individual, não é a mais adequada para este momento de oração
comunitária. De pé, pronto para partir, assimila o dom da graça, compromete-te
a prolongar a comunhão recebida na comunhão vivida e na missão que prossegue. A
Missa torna-se missão, com novo ânimo e paixão. Porque Ele está connosco.
João da Silva
Peixoto, in Boletim de Pastoral Litúrgica, Ano XLIX, nº 193 – 196, Janeiro –
Dezembro 2024, pág. 149-151. Secretariado Nacional de Liturgia | imagem