Pecado original e pecado das origens
Pecado original
A expressão «pecado original» confunde habitualmente duas realidades diferentes:
- a condição pecadora na qual todo o
homem se encontra lançado pelo seu nascimento, se se prescinde da graça de
Cristo;
- a entrada do pecado no mundo tal
como o evocam Gn 3 e Rom 5 quando descrevem a cena do primeiro pecado.
Esta confusão desemboca com frequência
neste resultado aberrante: «nós herdámos, por via de geração, a culpabilidade
em que incorreu o primeiro homem!»
E então surge a pergunta, do que teria
acontecido se aquele primeiro homem não tivesse pecado...
Nisto há três erros graves. Com
efeito:
1. A culpabilidade é estritamente pessoal.
Já o Antigo Testamento nega formalmente que um pai transmita uma culpabilidade
aos filhos (Ez 18).
2. A geração não transmite o pecado,
algo assim como se uma sexualidade necessariamente pecadora levasse
necessariamente uma «conceção no pecado» (interpretação errónea do SI
51, 7).
3. A liberdade, poder de escolha
diante de Deus, foi dada ao homem desde a sua origem: necessariamente deveria
permanecer uma prova temível.
E de facto o resultado dessa prova pôs
em evidência a finitude e a fragilidade humana.
Sonhar com uma vida sem problemas numa
terra paradisíaca não é mais do que uma daquelas ilusões infantis de que a
custo os adultos se desfazem.
Para esclarecer a questão, é necessário
que nos entendamos em termos de vocabulário.
- Pecado original significará a nossa
condição pecadora. Mas a palavra «pecado» não tem então o mesmo
sentido que tem quando designa os atos dos quais nos fazemos culpáveis, mas
quer dizer exatamente: a condição em que nascemos não tem consigo, em si mesma,
a amizade com Deus e a participação na sua vida; isto somente no-lo pode
assegurar a graça de Cristo.
- Pecado das origens designará o
que na Bíblia se chama «pecado de Adão», ou, por outras palavras, o
acontecimento original com que se inaugurou a história da nossa raça pecadora.
Demasiadas vezes parte-se do «pecado
das origens» (ou de Adão) para explicar o «pecado original» (a nossa condição
pecadora). É precisamente o contrário que se devia fazer.
Constatamos em nós mesmos uma rutura
interior, que S. Paulo exprime muito bem: «Não faço aquilo que quero,
mas sim aquilo que aborreço» (Rom 7, 5).
Paulo exprime-o, duma forma figurada,
pelo poder que sobre nós tem o pecado personificado.
Este poder do pecado sobre o homem constitui
exatamente o «pecado original», uma vez que Paulo considera aqui
o estado do homem antes da intervenção da graça de Cristo, (momento mais lógico
do que cronológico, na história da salvação pessoal).
Esta tomada de consciência conduz o
homem àquela patética exclamação: «que desditoso homem que eu sou! Quem me
há-de libertar deste corpo de morte?» (Rom 7, 24).
E Paulo exclama: «Graças sejam
dadas a Deus, por Jesus Cristo, Nosso Senhor»!
Para ele, Cristo é primeiro: Ele nos
salvou a todos, por conseguinte todos necessitamos d'Ele.
A partir daí, é normal que se ponha a
questão: porquê este domínio do pecado sobre o homem?
Porquê esta experiência do Mal no seu
duplo aspeto de sedução e repulsa?
É evidente que todo o homem vive isto
atualmente e que, por mais que remontemos no passado da raça humana, sempre veremos
o mesmo.
Surge assim finalmente a questão
suprema: o surgir do homem com o surgir da liberdade, não terá constituído por
si mesmo uma prova de opção que ficou marcada por um fracasso?
Esse «pecado das origens»
(ou de Adão) é o que o Génesis evoca sob a forma duma narração simbólica
que deixa a realidade concreta envolta em mistério.
Não é Adão que ilumina Cristo, mas sim
Cristo que ilumina retrospetivamente o mistério do pecado que marcou as
origens.
Por isso, o estudo do pecado original
deve ser feito dentro duma certa ordem lógica:
- partindo de Cristo redentor, esclarecer-se-á
antes de tudo o problema dos pecados pessoais (se não existisse o risco de
condenação, Cristo não teria tido necessidade de morrer);
- remontar-se-á seguidamente ao
problema do pecado «original», em cada indivíduo (cf. Rom 7);
- finalmente chegar-se-á ao estudo do «pecado das origens», respeitando a zona de mistério que necessariamente o envolve. (1)
E então esse mistério do pecado original aparecerá como um elemento particular
dentro do quadro do plano de Deus que engloba toda a história: Cristo
veio para nos salvar a todos.
Descleé et Cie, Paris 1973 (cf. Nouvelle Revue Théologique), Maio-Junho 1968.
P.Gilbert,
Croire aujourdd’hui au peché original. Col. Croire aujourdd’hui. Sénevé, 1971, p.80.
Fonte: “Homem, quem és tu? – As origens do Homem (os onde primeiros capítulos do
Génesis)”, Pierre Grelot, Difusora Bíblica, Cadernos
Bíblicos, 4 (texto editado) |