Jesus Cristo, filho de Deus
Jesus Cristo, filho de Deus
"O nome de Jesus não se inscreveu simplesmente na História do mundo; ele marcou-a profundamente", escrevia Emerson. Todo o mundo está de acordo com isso.
Mas, no que se refere à realidade histórica da pessoa de Cristo, à origem de sua mensagem, há divergências - entre os sábios, bem entendido.
Isso porque, se não foi catequizado em profundidade, o homem comum abriga ideias já feitas ou confusas sobre Jesus: um Jesus taumaturgo, charlatão, mercador de sonhos e ilusões, "o primeiro socialista do mundo", quando muito "o grande amigo" consolador.
Durante
muitos séculos, Jesus, filho de Deus,
foi objeto de uma fé quase sem problemas.
A exegese
alemã, no século XIX, baseando-se nos progressos da filologia e da história
literária e num conhecimento mais completo do antigo Oriente, chegou a audaciosas
conclusões, nascidas do racionalismo.
Já
Reimarus († 1768) não via nos apóstolos mais que falsários e nos Evangelhos mais
que a expressão de uma impostura; para ele, Jesus não passava de um profeta
revolucionário que fracassou.
Com A
Vida de Jesus, de David Strauss (1835), desemboca-se em plena mitologia:
segundo Strauss, os discípulos de Jesus, contando a vida do mestre, teriam
criado um Cristo ideal.
Um dos
mais célebres representantes dessa escola mítica foi Couchoud, que, em O
Mistério de Jesus (1924), fez de Jesus o produto dos sonhos das
primeiras comunidades cristãs.
A essa
escola opôs-se a escola de Tubinga, particularmente representada por F. C. Baur
(† 1860), que se deixa levar pela fantasia de uma imaginação criadora.
Para A.
von Harnack († 1930), chefe da escola liberal, tudo aquilo que, no Evangelho,
ultrapassa o quadro do misticismo, não seria mais do que uma adaptação
momentânea às concepções caducas da época ou uma vegetação parasita que revela
as deformações infligidas pelos discípulos à obra do Mestre.
Face a
esse misticismo de contornos nebulosos, a escola escatológica (J. Weiss, A.
Loisy, A. Schweitzer) desenvolve uma concepção de aparência mais positiva, que
consiste em rebaixar o Evangelho ao plano do judaísmo contemporâneo.
Já os
seguidores da escola "da história das religiões" (Bousset,
Guignebert) buscaram a origem do cristianismo num sincretismo do judaísmo e das
religiões pagãs do primeiro século.
Nos
nossos dias, a nova interrogação sobre o "Jesus da História" procede
das posições do exegeta luterano Rudolf Bultmann, que aplica a Formgeschichte
("história das formas") aos Evangelhos sinóticos e manifesta
a originalidade do pensamento de são Paulo e de são João.
Segundo
ele, o Jesus da história não pode ser realmente alcançado pela pesquisa. A
questão sobre o Jesus da História não se justifica teologicamente e, ademais,
não tem nenhuma importância para a fé.
Desde
1930, a escola de Lovaina, com L. Cerfaux, aplica sistematicamente ao estudo do
Novo Testamento o método da Formgeschichte, liberando-o dos
pressupostos filosóficos e dos a priori
históricos.
Como se
vê, Jesus permanece um "sinal de
contradição". O que não impede que subsistam ainda dúvidas razoáveis
sobre a existência de Jesus.
Hoje em
dia, a questão não mais se coloca, já que é considerada inútil. E muitos
superaram o abismo que alguns pretenderam estabelecer entre o "Jesus da história", o personagem
que viveu e morreu sobre a terra, e o "Cristo da fé”, desligado da história e prestes a se tornar um
personagem mítico.
Biografia com base nos Evangelhos
Na falta
de uma biografia no sentido estrito do termo, é possível, graças aos
Evangelhos, seguir Jesus no curso de sua curta vida - três décadas - na
Palestina submetida ao jugo romano, daí extraindo uma mensagem que, mesmo para
um incréu, situa-se no mais elevado nível da história dos homens.
Jesus
nasceu da Virgem Maria, em Belém, no ano 4 ou 5 antes da era que
leva seu nome.
Deitado
em uma manjedoura, teve como primeiros admiradores alguns pastores e, depois,
magos vindos do Oriente.
Depois de
uma estada no Egito, ele se instala com Maria
- e José, seu pai adotivo - na
aldeia galileia de Nazaré.
No ano de
27, de lá saiu para receber o batismo das mãos de João, que o apresentou às
multidões como "o cordeiro de Deus".
Foi nas
margens do lago de Tiberíades que
Jesus escolheu os seus apóstolos - fundamento da sua Igreja. Foi lá que começou
a sua pregação.
Comentando
um texto da Lei na sinagoga de Cafarnaum, ele assombra seus ouvintes, pois,
contrariamente aos escribas, fala com autoridade, solicitando que se ultrapasse
as prescrições farisaicas, afirmando que não tinha vindo para revogar a Torá,
mas sim para dar-lhe pleno cumprimento, e anunciando o Reino que virá.
Na Galileia
Ainda que
Jesus tenha ido a Jerusalém para a
celebração da Páscoa, em 28 e em 29, é na Galileia
que a sua mensagem toma corpo. Foi lá que ele pronunciou as suas mais belas
parábolas.
Foi às
multidões reunidas na Galileia que ele ensinou o "Pai Nosso", que ele anunciou a sua Paixão; foi para elas - famintas
e pobres como ele – próprio que multiplicou os pães; foi sobre elas que lançou
o estranho e paradoxal programa que deveria ser a carta de uma humanidade nova:
"Bem-aventurados os pobres, os
mansos, os aflitos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os
puros, os que promovem a paz, os perseguidos...", todos aqueles que o
"mundo" rejeita desde o aparecimento do homem sobre a terra.
Quando, no
fim do ano 29, Jesus desce lentamente até Jerusalém, ele sabe que será entregue
aos romanos.
Paixão, morte e ressurreição
A glória
dos Ramos precede de pouco a prisão, o processo diante do sumo-sacerdote e depois
perante Pilatos, a morte na cruz, a sepultura, provavelmente em abril do ano
30.
A morte
de Jesus é admitida. Já a sua ressurreição choca, escandaliza ou provoca
sorrisos.
Mas o testemunho
dos apóstolos gira em torno da relação entre a morte e a ressurreição de Jesus:
aquele que foi visto expirando, morto, foi visto depois de três dias, vivo,
idêntico a si mesmo, capaz de ser tocado e de partilhar a ceia de seus amigos.
Seria Cristo ressuscitado que os seus
discípulos passariam a pregar.
É ele que
constitui o fundamento do cristianismo:
"se Cristo não ressuscitou, vazia é
a nossa pregação, vazia também é a vossa fé", escreveu Paulo.
Foi no
júbilo da ressurreição de Jesus e depois de uma parusia iminente que as primeiras
comunidades cristãs se estenderam.
Fonte: “História
da Igreja”, Pierre Pierrad | Imagem