Santo Inácio de Antioquia, o "Portador de Deus"



Santo Inácio de Antioquia

De acordo com Eusébio de Cesareia (("História Eclesiástica", livro 3, capítulo 22), Inácio foi o segundo bispo de Antioquia (sucedendo a Evódio), e que talvez tenha sido nomeado por Pedro ou por Paulo. Acredita-se que também tenha sido discípulo do apóstolo João Evangelista.

Santo Inácio foi condenado às feras na época de Trajano, por se ter recusado a fazer sacrifícios aos deuses, conforme decreto imperial, para celebrar a vitória do imperador sobre os dácios.

No entanto, para sofrer o seu martírio (cerca do ano 107), Inácio (o nome Inácio deriva de ignis = fogo) teve de realizar uma longa viagem até Roma, flanqueado por dez soldados.

A caminho de Roma, atravessou a Ásia Menor, com uma paragem em Filadélfia da Frígia, tendo chegando a Esmirna, cujo bispo era, na ocasião, São Policarpo, e ali passou algum tempo.

À sua passagem, vários cristãos da região vieram vê-lo. Inácio podia recebê-los e conversar com eles por algum tempo. Aí avistou-se com delegados das Igrejas do Oriente.

Desta cidade, localizada na costa do Mar Egeu, na Turquia, escreve a cada uma dessas Igrejas e também aos romanos, para avisá-los da data aproximada de sua chegada e transmitir-lhes a alegria que sente por morrer em testemunho de Cristo.

As sete cartas autênticas que ficaram desse mártir

“Aos Efésios”

“Aos de Magnésia”

“Aos de Trales”

“Aos Romanos”

“Aos de Filadélfia”

“Aos de Esmirna”

“A Policarpo”

representam um precioso monumento: contra o docetismo, elas evidenciam o caráter a um tempo divino e humano da pessoa de Jesus, a autoridade unificadora dos bispos e a catolicidade da Igreja no início do século II.

Estas 7 cartas não são apenas citadas por Eusébio, mas também por São Jerónimo (De viris illust., c. xvi).

Nas suas cartas, Santo Inácio aparecia intitulado como o "Portador de Deus", e como tal era conhecido pela comunidade cristã primitiva. 

Nos princípios do século II, Santo Inácio, bispo de Antioquia, escrevia que a Igreja romana é a Igreja «posta à cabeça da caridade», atribuindo-lhe assim um direito de supremacia eclesiástica universal.

As suas palavras inflamadas de amor a Cristo e à Igreja ficaram na lembrança de todas as gerações futuras. "Deixem-me ser a comida das feras pelas quais me será dado saborear Deus. Eu sou o trigo de Deus. Tenho de ser triturado pelos dentes das feras para tornar-me pão puro de Cristo."

"Onde está o Bispo, aí está a comunidade, assim como onde está Cristo Jesus aí está a Igreja Católica", foi escrito na carta endereçada ao então jovem bispo de Esmirna, São Policarpo.

Os cristãos de Antioquia veneravam desde a antiguidade o seu sepulcro nas portas da cidade e já no século IV celebravam a sua memória a 17 de outubro, dia adotado agora também pelo novo calendário (1).

Sugestões:

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Sou trigo de Deus e serei moído pelos dentes das feras

“Escrevo a todas as Igrejas e asseguro a todas elas que estou disposto a morrer de bom grado por Deus, se vós não o impedirdes. Peço vos que não manifesteis por mim uma benevolência inoportuna. Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais poderei chegar à posse de Deus. Sou trigo de Deus e devo ser moído pelos dentes das feras, para me transformar em pão limpo de Cristo. Rezai por mim a Cristo, para que, por meio desses instrumentos, eu seja sacrifício para Deus.

Para nada me serviriam os prazeres do mundo ou os reinos deste século. Prefiro morrer em Cristo Jesus a reinar sobre todos os confins da terra. Procuro Aquele que morreu por nós; quero Aquele que ressuscitou por nossa causa. Estou prestes a nascer. Tende piedade de mim, irmãos. Não me impeçais de viver, não queirais que eu morra. Não me entregueis ao mundo, a mim que desejo ser de Deus, nem penseis seduzir me com coisas terrenas. Deixai-me alcançar a luz pura. Quando lá chegar serei verdadeiramente um homem. Deixai-me ser imitador da paixão do meu Deus. Se alguém O possuir, compreenderá o que quero e terá compaixão de mim, por conhecer a ânsia que me atormenta.

O príncipe deste mundo quer arrebatar me e corromper a disposição da minha vontade para com Deus. Nenhum de vós o ajude; tornai vos antes partidários meus, isto é, de Deus. Não queirais ter ao mesmo tempo o nome de Jesus Cristo na boca e desejos mundanos no coração. Não me queirais mal. Mesmo que eu vo-lo pedisse na vossa presença, não me devíeis acreditar. Acreditai antes nisto que vos escrevo. Estou a escrever vos enquanto ainda vivo, mas desejando morrer. O meu Amor está crucificado e não há em mim fogo que se alimente da matéria. Mas há uma água viva que murmura dentro de mim e me diz interiormente: «Vem para o Pai». Não me satisfazem os alimentos corruptíveis nem os prazeres deste mundo. Quero o pão de Deus, que é a Carne de Jesus Cristo, nascido da linhagem de David, e por bebida quero o seu Sangue que é a caridade incorruptível.

Já não quero viver mais segundo os homens; e isto acontecerá, se vós quiserdes. Peço-vos que o queirais, para que também vós alcanceis benevolência. Peço vos em poucas palavras: acreditai-me. Jesus Cristo vos fará compreender que digo a verdade. Ele é a boca da verdade, no qual o Pai falou verdadeiramente. Pedi por mim para que o consiga. Não vos escrevi segundo a carne, mas segundo o espírito de Deus. Se padecer o martírio, ter me eis amado; se me rejeitarem, ter me eis querido mal.”

Da Carta de Santo Inácio, bispo e mártir, aos Romanos | (Cap. 4, 1-2; 6, 1 – 8, 3: Funk 1, 217-223) (séc. I)

(1) “História da Igreja”, Pierre Pierrard | “História Breve do Cristianismo”, José Orlandis (textos editados, adaptados e aumentados) | Imagem

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