A Paixão segundo São João
Muito
tempo após os acontecimentos, à luz do Espírito e da vida da Igreja e,
sobretudo, à luz da celebração dos sacramentos, João medita a Paixão.
Na sua
narração, muito semelhante à dos sinópticos, ele escolhe os episódios mais
carregados de sentido. Apresenta esta paixão como a marcha triunfal de Jesus
para o Pai.
Jesus sabe
que vai morrer; sabe de que morte, e vai livremente: «A Minha vida,
ninguém Ma tira, mas Sou Eu que a dou» (Cf. 10,18).
Todos os
pormenores da paixão cumprem não só as Escrituras, mas também os anúncios que
Jesus dela faz.
João
sublinha a majestade do Filho de Deus que sofre. Quando o prendem, Jesus não
evoca, como em Mateus, as legiões de anjos que poderiam libertá-Lo; basta-Lhe
declarar: Sou Eu ou Eu Sou para que os seus inimigos
caiam para trás.
É como Rei
que Jesus é crucificado. Pilatos reconhece-o fazendo-o sentar no seu tribunal
(19,13), e a inscrição da cruz proclama isso mesmo em diversas línguas
(19,19-20).
João não separa
morte e exaltação. A subida de Jesus à cruz é também a sua ascensão à glória de
Deus donde envia o Espírito (19,30). Quando for levantado da terra, atrairei
a Mim todos os homens (12,32).
A cruz
torna-se o trono de glória onde Jesus funda a Igreja: do Seu lado jorraram o
sangue e a água, os dois sacramentos do baptismo e da eucaristia.
A prisão
no Jardim (18,1-12).
João não
narra a agonia (mas foca o essencial no episódio dos Ramos 12,23.27) nem a
debandada dos discípulos. Mostra apenas a majestade de Jesus. O Sou Eu
repetido duas vezes (v58), era o nome de Deus nas Escrituras.
O processo
judaico (18,13-27).
João não relata
a comparência perante o Sinédrio e é o único que refere o interrogatório em
casa de Anás.
Jesus
apresenta-Se como Aquele que revela Deus abertamente cinco vezes aparece o
verbo falei e uma vez ensinei.
Contraste
trágico: ao mesmo tempo que dá o seu derradeiro testemunho, Pedro nega-O. E
Caifás dá, contra a sua vontade, o sentido da paixão: Jesus morre por todo o
povo (v.14)
O processo
romano (18,20-1916).
É a cena
principal da paixão em João.
As idas e
vindas de Pilatos, de Jesus, que está dentro, pare os judeus, que estão fora,
dividem a cena em sete quadros que se correspondem, tendo como centro a
coroação de espinhos.
E o grande
processo entre Jesus e os judeus.
Jesus é o
réu, mas, na realidade, Ele é o juiz. Jesus é Rei, mas um soberano que reina
sobre aqueles que escutam a Sua palavra.
No centro,
a cena da coroação, sem os pormenores habituais (escarros, genuflexões), põe em
evidência o título de Rei.
E a cena
termina em apoteose: Pilatos faz Jesus sentar-se no seu tribunal para O
proclamar Rei (v 13).
O Calvário (19,
17-37).
É ainda
como Rei que Jesus é crucificado: a inscrição atesta o facto. E os judeus, uma
vez mais, rejeitam-n'O.
A túnica
de Jesus, sem costura, não é rasgada (skizo, em grego, donde vem a palavra
skisma, cisma): João vê aqui o símbolo da unidade da Igreja, Jesus morre
para trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos (11.52).
João é o
único que dá importância a Maria ao pé da cruz. Chamando-A Mulher,
dando-Lhe o discípulo como filho, João parece evocar a função particular de
Maria na Igreja.
Jesus
entrega o Espírito (v. 30).
Com esta
fórmula estranha para significar morte, João apresenta Jesus enviando o Seu
Espírito sobre o mundo.
O quadro
final, exclusivo de João, exprime o sentido que tem para nós a morte de Cristo.
Ele é o Cordeiro pascal da nova Aliança.
Mais
ainda. Ele é Deus em pessoa, traspassado, como anunciava Zac. 12,10s.
Jesus é o verdadeiro Templo onde reside a divindade, este Templo onde Ez. 47,1-12 via jorrar, do lado direito, a água, símbolo do Espírito.
E a água e o sangue
tornar-se-ão símbolos, na Igreja, dos dois sacramentos do baptismo e da eucaristia.
A
sepultura (19,38-42).
Jesus é
sepultado por duas pessoas notáveis: José, o discípulo medroso (v. 38), e Nicodemos
que tinha ido visitar Jesus de noite.
Depositaram-n'O
num jardim - João é o único evangelista que o diz, e duas vezes
seguidas - no lugar onde germina a vida.
In
“Para ler o Novo Testamento”, Etienne Charpentier, Editorial Perpétuo
Socorro / Difusora Bíblica - 2ª edição (texto editado e adaptado) | Imagem