As Cinco Chagas do Senhor – 7 de fevereiro

Cinco Chagas de Cristo

(Livro de Orações de Waldburg, 1486, fol 11r)
Fonte

As Cinco Chagas do Senhor

O culto das Cinco Chagas do Senhor, isto é, as feridas que Cristo recebeu na cruz e manifestou aos Apóstolos depois da ressurreição, foi uma devoção muito viva entre os portugueses, desde os começos da nacionalidade.

São disso testemunho a literatura religiosa e a onomástica referentes a pessoas e instituições.

Os Lusíadas sintetizam (I, 7) o simbolismo que, tradicionalmente, relaciona as armas da bandeira nacional com as Chagas de Cristo. (1)

Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada;
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas, e deixou
As que Ele para Si na Cruz tomou)

(Os Lusíadas, Canto 1, estância 7).


“As Chagas representam a totalidade da Paixão e mais ainda da Ressurreição. Esta festa faz-nos reviver o mistério da Redenção de Cristo a nosso favor.

É para Jesus Cristo que se dirige a nossa adoração, celebrando esta festa, para Ele que nos amou infinitamente e que nos manifestou esse amor através das Suas Chagas, para Quem nos amou até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8).

A popularidade desta festa, em Portugal, era tão grande que levou o Papa Bento XIV a instituir esta festa litúrgica para o nosso país, celebrando-se a 7 de Fevereiro, com Ofício e Missa próprios, como ainda hoje acontece.

A contemplação das Chagas do Senhor rendeu especial atenção ao Lado aberto, conduzindo os místicos medievais e posteriores à contemplação do Coração trespassado, a mais viva, profunda e eloquente expressão do Seu amor.

Essa contemplação move-nos espontaneamente à correspondência, isto é, “amor com amor se paga”.

O povo português, na sua forma mais simples de religiosidade, sempre esteve ligado a Maria, a Mãe intercessora, e por isso, com Ela elevam-se as vozes dos crentes, daqueles que na sua humildade reverenciam as Chagas do Senhor, as marcas visíveis do amor incondicional do Pai e da obediência extrema do Filho, que doou a Sua vida para a salvação de todos.

Virgem das Dores, cujas lágrimas ungiram as Santíssimas Chagas do Salvador, lavai com as Vossas lágrimas, unidas ao Sangue Precioso de Vosso Filho, os pecados de Portugal!

Pelas Vossas Santas Chagas, perdoai-nos, Senhor!” (2)



Cristo manifesta-Se com as suas chagas após a ressurreição

Se é pueril acreditar ao acaso e sem motivo, também é muito insensato querer examinar e inquirir tudo demasiadamente. E esta foi a sem-razão de Tomé.

Perante a afirmação dos Apóstolos: Vimos o Senhor, recusa-se a acreditar: não porque descresse deles, mas porque julgava impossível o que afirmavam, isto é, a ressurreição de entre os mortos.

Não disse: «Duvido do vosso testemunho», mas: Se não meter a minha mão no seu lado, não acreditarei.

Jesus aparece segunda vez e não espera que Tomé O interrogue, ou Lhe fale como aos discípulos.

O Mestre antecipa-se aos seus desejos, fazendo-lhe compreender que estava presente quando falou daquele modo aos companheiros.

Na censura que lhe faz serve-Se das mesmas palavras e ensina como deverá proceder para o futuro.

Depois de dizer: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; mete a tua mão no meu lado, acrescenta: Não sejas incrédulo, mas crente.

Tomé duvidou por falta de fé.

Ainda não tinham recebido o Espírito Santo. Mas isso não voltaria a acontecer; a partir de então manter-se-iam firmes na fé.

Cristo, porém, não Se ficou nesta admoestação e insistiu novamente.

Tendo o discípulo caído em si e exclamado: Meu Senhor e meu Deus, disse-lhe Jesus: Porque Me viste, acreditaste. Felizes os que, sem terem visto, acreditaram.

É próprio da fé crer no que não se vê. A fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das que não se vêem.

Com efeito, o divino Mestre chama felizes, não só os discípulos, mas também todos aqueles que no decurso dos tempos acreditarão n’Ele.

Dirás talvez: Mas na verdade, os discípulos viram e creram. É certo; no entanto, não precisaram de ver para acreditarem.

Sem quaisquer exigências, bastou-lhes ver o sudário para logo aceitarem o acto da ressurreição e acreditarem plenamente, antes mesmo de verem o corpo glorioso de Jesus.

Portanto, se alguém disser: «Quem dera ter vivido no tempo de Jesus e contemplado os seus milagres», recorde as palavras: Felizes os que, sem terem visto, acreditaram.

E aqui surge uma pergunta: Como pôde o corpo incorruptível conservar as cicatrizes dos cravos e ser tocado por mão mortal?

Não é caso para espanto, pois se trata de pura condescendência da parte de Cristo. O seu corpo era tão puro, subtil e livre de qualquer matéria, que podia entrar numa casa com as portas fechadas.

Quis, porém, manifestar-Se deste modo, para que acreditassem na ressurreição e soubessem que era Ele mesmo que fora crucificado, e não outro, quem tinha ressuscitado.

Por este motivo conserva, na ressurreição, os estigmas da cruz, e come na presença dos Apóstolos, circunstância esta que eles especialmente recordariam: Nós que comemos e bebemos com Ele.

Quer dizer: Antes da paixão, ao vermos Jesus caminhando sobre as ondas, não considerávamos o seu corpo de natureza diferente da nossa; também agora, ao vê-l’O com as cicatrizes, após a ressurreição, devemos crer na sua incorruptibilidade.

Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo sobre o Evangelho de São João (Hom. 87, 1: PG 59, 473-474) (Séc. IV) (1)


Sugestões:


«Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então compreendereis que Eu sou» (Jo 8,28)

“Vinde, vós todos que amais a Deus; vede o que Nosso Senhor fez por vós. Vinde, vós todos que fostes resgatados pelo sangue puríssimo do Cordeiro inocente; vede e compreendei o que Ele sofreu por causa do nosso pecado. Hoje, abre-se para nós o Livro da Vida, os sete selos são quebrados (cf Ap 6). A verdade resplandece, nela se manifestam os tesouros da sabedoria e da ciência (cf Rom 11,33); brota a fonte que contém os mistérios de Deus.

Hoje, rompe-se o véu antigo (cf Mt 27,51), todas as aparências dão lugar à realidade. O Santo dos Santos abre-se de par em par, graças a Jesus, o Sumo Sacerdote (cf Heb 2,17). O sacrifício que Ele oferece é o seu próprio sangue. Hoje, em Jesus Cristo, é revelado o sentido de todos os símbolos, são descobertos todos os mistérios. Hoje, abre-se o tesouro imenso do pai de família do qual fruirão plenamente todos os pobres, todos os fracos, todos os oprimidos. Cada um pode beber nas chagas do Senhor a graça de que mais necessita. [...]

Hoje, manifestou-se acima de todas as coisas o admirável mistério: o Rei dos homens faz-Se rebotalho da humanidade; o Altíssimo faz-Se o último de todos; o Filho único de Deus oferece-Se livremente à cruz por nós, pobres pecadores. Ele quer pregar o pecado na cruz, matar a morte e, pelo seu sangue precioso, destruir a nota da dívida onde estão registadas as nossas faltas (cf Col 2,14). [...]

Não foi Ele que disse: «Quando Eu for elevado, atrairei tudo a Mim» (Jo 12,32)? Tudo, quer dizer todos os homens, em quem tudo se reúne. Há muitos homens que encontram a cruz; entre muitas tribulações, Deus leva-os a essa cruz, para os atrair a Si. Então, eles carregam de bom grado a sua própria cruz e tornam-se verdadeiros amigos de Deus.”

Jean Tauler (c. 1300-1361) dominicano de Estrasburgo | Meditação sobre a Paixão

Fontes: (1) SNLiturgia  |  (2

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